O dia começou antes de levantar o sol. Hoje era dia de compromisso e dado o clima que por aqui nos cerca por todos os lados, ir para a pista só podia ser às seis da matina. Tudo se passou como o previsto e às oito da manhã já estava com o corpo debaixo da água fria. É sempre como se voltasse a nascer outra vez. Por muito que o vinagre dos anos teime em nos fazer desistir, acabamos sempre por abrir a boca e deixar entrar toda esta água até ao fundo da alma.
Luz é uma mulher dada à luz no antigo Porto de Barcelona. Não se descreve, não se interpreta, não se julga. Vive-se hoje e amanhã logo se verá.
Luz foi criada nos caminhos e ruelas do poder e da construção da nova España; tem graça, falamos muito pouco acerca disso. Perdemo-nos em coisas simples da vida, ouvimos música a raudales como esta Yolanda que vos deixo e que ouvimos horas seguidas, à mistura com histórias de concertos e de cantores de quem gostamos muito ainda que não sejam sempre os mesmos. Falamos do mar Mediterrâneo que a apaixona, a ela (que não a mim…), já que não vivemos histórias semelhantes na Tunísia, na Jugoslávia, na Grécia… eu, um homem do frio, que gosta de mergulhar no mar gelado da Apúlia, que tomava banho sagrado todos os domingos no mar de Cortegaça, anos e anos a fio.
Havíamos combinado uma inovação gastronómica a meu cargo. Tal como Madrid, que é o maior porto de pesca da Ibéria, por via dos 6 milhões de almas que por ali andam, mas também por estratégia de impostos, taxas, alcavalas, sedes de sociedades e importadores do sector primário, Badajoz tem um pouco desse tipo de benefícios face ao histórico de ser interface do tal outro reino da Península. Em Badajoz come-se uma sopa de marisco com os crustáceos numa travessa à parte.
A minha promessa – tudo o que se promete, cumpre-se – era sobre uma comida bastante ecológica, fazendo aposta em produtos da horta, coisas com sabor e tradição.
Então, dei corda às xanatas e na última semana, deambulei com a ajuda dos Deuses que não me deixaram andar longe de uma região que os portugueses (como é normal) desconhecem: Norte de Portalegre! Podendo assim ir preparando dia-a-dia os elementos da minha receita.
Dispositivos, instrumentos, ferramentas: Um carro de mão metálico, com roda de ferro; uma grelha redonda feita em ferro de construção civil; três sacos de pinhas, caruma, cisco ou moliço.
Sardinhas, uma dúzia de peixes frescos que chegaram ontem da Galiza.
Pimentos, cinco pimentos comuns, daqueles verdes, doces, prismáticos, que me mandou o meu amigo Professor Silvestre, mestre escola reformado, que a norte de Portalegre se orgulha de ter dos melhores frutos da horta limpa, daqueles frutos que sabem àquilo que sempre deveriam saber. Os pimentos foram assados na brasa das pinhas, depois de pelados, foram revoltados com azeite, vinagre, sal, alho e cebola.
Pepinos, três frutos verdes compridos, com aquela casca guarnecida de verrugas espinhosas, que depois de descascados em camadas finas transversais muito delgadas ficaram a macerar em sal e vinagre durante duas horas.
Nabiças cozidas em água e sal; depois de escorridas foram passadas por azeite e alho.
Batatas novas, pequenas, limpas com água para tirar a terra, já que na horta do Professor Silvestre apenas dá força ao vegetal o que resulta da compostagem das folhas e do lixo produzido pelos animais domésticos. Cozidas numa dúzia e meia de minutos e com a casca que os Deuses lhe deram.
E para beber?
Eu sou um devoto de branco seco. Não é difícil, para quem gosta, ficar especialista deste tipo de bebida que não tem nada a ver com tudo quanto a musa tem cantado, até porque existem muito poucos ‘brancos secos’ dignos desse nome. "E começou Noé a cultivar a terra e plantou uma vinha." (Génesis, capítulo 9, versículo 20)
E para não variar, lá bebemos nós um Branco Seco Especial que o meu amigo Silvestre descobrira na Adega Cooperativa de Portalegre (agora está nos terrenos da Adega da Cabaça).
Palavras para quê? São artistas Ibéricos!
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