Diz António Sérgio, tradutor da obra de Bertrand Russel: “Os problemas da Filosofia”
Ao aprendiz de filósofo (ao jovem aprendiz, pretendo eu dizer, e na minha qualidade de aprendiz mais velho) rogo que se não apresse a adoptar soluções, que não leia obras de uma só escola ou tendência, que procure conhecer as argumentações de todas e que queira tomar como primário escopo a singela façanha de compreender os problemas: de compreendê-los bem, de os compreender a fundo, habituando-se a ver as dificuldades reais que se deparam nas coisas que se afiguram fáceis ao simplismo e à superficialidade do que se chama senso comum (...).
Ora, se o fundamental da filosofia é de facto a crítica, e se, pois, a filosofia deve ser estudada não pelo mérito das respostas precisas sobre um certo número de questões primárias, senão que pelo valor que em si mesma assume, para a cultura do espírito, a mera discussão de tais problemas, segue-se que é ideia inteiramente absurda a de se dar a alguém uma iniciação filosófica pela pura transmissão das respostas precisas com que pretendeu resolver esses tais problemas um determinado autor ou uma certa escola. Deverá pois a iniciação filosófica assumir um carácter essencialmente crítico e consistir num debate dos problemas básicos que não seja dominado pelo intuito dogmático de cerrar as portas às discussões ulteriores. (...) .
Repito: seja a filosofia para o aprendiz de filósofo não uma pilha de conclusões adoptadas, e sim uma actividade de elucidação dos problemas. É esta actividade o que realmente importa, e não o aceitar e propagandear conclusões. (...) Por isso mesmo, ao lermos um filósofo de genuíno mérito, de dois erros opostos nos cumprirá guardar-nos: o primeiro, o de nos mantermos aí eternamente passivos e de tudo aceitarmos como se fossem dogmas, de que depois tentaremos convencer o próximo; o segundo, o de criticarmos demasiado cedo, antes de chegarmos à compreensão do texto. Para evitar o escolho do segundo erro, á atitude inicial do aprendiz de filósofo deverá ser receptiva e de todo humilde.
Se achar uma ideia no texto de um Mestre que lhe pareça de fácil refutação, conclua que ele próprio é que a não percebe, e que o pensar do autor deverá ser mais fino, mais meandroso, mais facetado, mais verrumante do que ao primeiro relance se lhe afigurou: e que se lhe impõe portanto uma atenção maior (...) e o melhor processo, nessa primeira fase, é talvez o de refazermos por iniciativa nossa, com exemplos familiares da nossa própria experiência, a doutrina exposta pelo autor que estudamos, até que a tenhamos como coisa nossa, porque feita de matéria verdadeiramente nossa, e reconstruída pelo nosso espírito.
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